Viagem de Bike Brasília (DF) ao Rio de Janeiro (RJ). Verão 2002.
VIAGEM DE BIKE – VERÃO 2002 |
BRASÍLIA (DF) AO RIO DE JANEIRO (RJ) - 1.467
km |
Deus não se poupou ao desenhar o
Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro não é uma cidade exuberante. É cidade erguida em lugar exuberante - e essa distinção é essencial.
Porque cidade é coisa que nós construímos, enquanto lugar é dado pela natureza. [...] é uma cidade grande que ocupa o pouco que há de terra habitável entre a montanha, o mar e as lagoas. [...] dada a geografia, produzindo muitos aterros ao longo dos séculos.
Fonte: 1565 : enquanto o Brasil nascia / Pedro Dória. - 1ª ed. - Rio de Janeiro :
Harper Collins, 2017. pp. 33/34.
VIAGEM DE BIKE – VERÃO 2002 BRASÍLIA (DF) AO RIO DE JANEIRO (RJ) | |||
Datas | Trechos | Distâncias | ∑ |
26/12/01 | Brasília (DF) a Cristalina (GO) | 133 km | 133 km |
27/12/01 | Cristalina (GO) a Catalão (GO) | 177 km | 310 km |
28/12/01 | Catalão (GO) a Uberlândia (MG) | 119 km | 429 km |
29/12/01 | Uberlândia (MG) a Uberaba (MG) | 118 km | 547 km |
30/12/01 | Uberaba (MG) a Orlândia (SP) | 117 km | 664 km |
31/12/01 | Orlândia (SP) a Pirassununga (SP) | 159 km | 823 km |
01/01/02 | Pirassununga (SP) a Itatiba (SP) | 158 km | 981 km |
02/01/02 | Itatiba (SP) a Jacareí (SP) | 116 km | 1.097 km |
03/01/02 | Jacareí (SP) a Queluz (SP) | 157 km | 1. 254km |
04/01/02 | Queluz (SP) a Piraí (RJ) | 107 km | 1.361 km |
05/01/02 | Piraí (RJ) ao Rio de Janeiro (RJ) | 106 km | 1.467 km |
Total 1.467 km |
1º
dia |
Brasília (DF) a Cristalina (GO) |
133
km |
O trânsito no Eixo Rodoviário, diferentemente de outros dias, era pequeno àquela hora. No céu, formações baixas, os cúmulos-nimbos [em latim cumulonimbus], a nuvem chuvosa do mau tempo. A temperatura era de 22°C e não ventava.
Naquele primeiro dia de viagem fiz [pela BR-040] o percurso Brasília – Cristalina (GO) em 7h e 50, um recorde. As condições da estrada, entre as duas cidades, são excelentes e o acostamento, com 3,0 metros de largura, um tapete.
Quando faltavam 22 quilômetros para chegar à cidade dos cristais, o Sol apareceu forte e foi preciso aplicar protetor. Uma hora mais tarde, um aguaceiro marcou a minha chegada a Cristalina (GO). Eram 15h 54, e a bátega se estendeu pela noite e madrugada, deixando-me apreensivo com relação ao dia seguinte.
Na maior parte do Brasil, entre o Equador [a linha] e o Trópico de Capricórnio, as chuvas marcam o verão e as estiagens marcam o inverno. Dezembro é verão no Hemisfério Sul. Portanto, as chuvas dessa época, não me surpreenderam. Ciente, eu estava, que elas [as chuvas] seriam a única companhia durante a viagem.
2º
dia | Cristalina (GO) a Catalão (GO) | 177
km |
Enquanto esperava o aguaceiro terminar, ou pelo menos diminuir, assisti ao Bom Dia Brasil, que anunciou temporais para as regiões Centro-Oeste e Sudeste. Que maçada.
Não podia ficar deitado. Precisava tomar uma decisão: ou seguir sob forte aguada ou desistir e voltar para casa. "Se fracassasse em minha aventura" - disse a mim mesmo -, "sempre ficará o consolo de uma futura aventura". Tal racionalização, não contribuiu para tranquilizar-me. Mas voltar não é do meu feitio e nem estava em meus planos.
Depois de tanto tempo de preparo, não faria sentido desistir. Tomei café, paguei a conta e deixei o Goyas Hotel às 9h 20. Chovia muito e o nevoeiro era intenso.
Não sou de açúcar e tampouco tenho medo de água.
Coloquei o capacete e segui para Catalão (GO), 177 quilômetros à frente. Nesse
trecho, assim como ao longo do percurso daquele segundo dia de jornada, o acostamento é da melhor qualidade.
Em Cristalina (GO), a sobreposição das Rodovias BR-040 e BR-050 termina.
A BR-040 segue para BH e RJ; a BR-050 me conduziu [direção geral sul] a Catalão (GO), ao Triângulo Mineiro, a Ribeirão Preto (SP) e a Campinas (SP), onde tomei a proa leste, rumando ao Vale do Paraíba (Jacareí - SP). A partir de Jacareí (SP), proa norte até o Rio de Janeiro, pedalando pela Via Dutra (BR - 116).
Atualização:
a partir de 2015, a BR - 050 passou a ser administrada pela Concessionária
Eco 050, que duplicou o trecho entre Cristalina (GO) e a divisa
GO/MG, totalizando 219 quilômetros devidamente duplicados e dotada de excelente
acostamento. |
Apesar da forte pancada de água, que não dava
trégua, comecei o segundo dia de viagem girando forte e atingindo a média de 26 km/h na primeira hora de pedal. Parada na Pamonharia Sonho
Verde, às 10h 45.
A chuva continuava, mas não ventava e como o traçado é plano, continuei a manter boa média horária. Às 12 h cheguei ao Posto Ponte Alta, parada dos ônibus que ligam o Centro-Sul ao Nordeste e à Amazônia.
Ali um motorista que ia para Uberaba (MG), cumprindo um horário de Brasília (DF) a Porto Alegre (RS), perguntou-me qual o meu destino. Quando falei que ia até o Rio de Janeiro (RJ), ele surpreendeu-se e disse "que eu estava bastante animado".
Muitas pessoas fizeram-me a mesma indagação ao longo da viagem. Algumas me perguntaram se eu "estava pagando promessa", enquanto outras elogiaram a organização e não deixaram de reconhecer a coragem em encarar essa empreitada.
Quando questionavam sobre os riscos de assalto, eu respondia: “é mais fácil ser assaltado viajando de ônibus”, haja vista as estatísticas da Polícia Rodoviária Federal. "Conhece alguém que foi assaltado viajando de bicicleta"? Silêncio do interlocutor.
Às 13h 23, parei no Restaurante Paineira, às margens da BR-050. Era hora do almoço. Degustei saboroso bife acebolado, arroz, feijão e salada. Comida deliciosa. O dono do estabelecimento quis saber detalhes acerca da minha viagem. Saí de lá com a impressão de que ele não entendeu o porquê de eu seguir para o Rio de Janeiro (RJ) por aquele caminho [BR-050], quando o habitual é fazê-lo pela BR-040.
O melhor caminho nem sempre é o mais curto [BR-040]; o melhor caminho é o mais seguro [BR-050]. Princípio tão velho quanto o mundo.
Quando planejei essa aventura, a possibilidade de não chegar à cidade assinalada no roteiro, em virtude de mau tempo ou problemas mecânicos, entre outros, obrigou-me a selecionar, no trecho pedalado, uma localidade alternativa.
Caso não fosse possível ir até o próximo destino, pararia antes ou, se fosse o caso, voltaria à cidade de onde parti. Por exemplo: de Brasília (DF) para Cristalina (GO) a alternativa era ficar em Luziânia (GO) ou voltar para casa.
De Cristalina (GO) para Catalão (GO), a alternativa era a pequena Campo Alegre (GO). De Catalão (GO) a Uberlândia (MG), a alternativa era Araguari (MG) e assim por diante.
Às 13h 35, deixei o Restaurante Paineira. A chuva continuava forte. Se não cessasse até a chegada a Campo Alegre de Goiás (GO), eu não continuaria a pedalar naquele dia. O movimento de veículos leves e pesados era pequeno. Estava encharcado até a alma. Nunca havia sentido [na pele] uma bátega daquelas. Os ossos pareciam molhados.
Quando Campo Alegre de Goiás (GO) foi avistada dentro de um pequeno vale fluvial, foram completados 110 quilômetros. Faltavam apenas 67 quilômetros para chegar a Catalão (GO).
Ao parar no Posto Xará, no trevo de entrada da cidade, a chuva, surpreendentemente parou e, sendo assim, a alternativa de ficar por lá foi cancelada.
Retomei as pedaladas às 15h 50. Parou de chover; começou a ventar. Um vento frontal. Logo passou a ser lateral que, se não ajudou, pelo menos não atrapalhou. Com o fim da chuva e a pista menos molhada, pedalei forte por duas horas, parando para algumas fotos.
Às 18h 05, fiz a última parada antes do encerramento da jornada daquele dia. Foi no Posto Eldorado. Apesar da temperatura amena e da forte chuva que caiu ao longo do dia, o consumo de líquido foi elevado: 5 litros entre água e sucos.
Quando voltei para a estrada, o azul do céu foi aparecendo entre densas nuvens, na direção oeste, prenúncio de melhora no tempo, depois de um dia de muita, muita chuva. Eram 18h 30.
Observei que o Sol, entre grossas nuvens, ainda estava alto. Faltava 1 hora para chegar a Catalão (GO). Como as roupas que levei são de um material próprio para a prática de exercícios, chamado dry-fit, tão logo o Sol apareceu, minha camisa e meu short secaram. O tênis continuou encharcado.
A quinze minutos do Motel Summer Time, local do 2º pernoite, passou
um Gol marrom por mim, na direção de Brasília, buzinou e pelo retrovisor da
bike, observei as luzes de freio do carro acionadas. Deu meia volta e veio em
minha direção. Era o meu grande amigo Euller, professor de Química e que, por
cinco anos, foi meu parceiro nas viagens a Três Marias (MG) com os nossos
alunos. Ele voltava do Rio e havia me ligado no dia anterior, quando eu
pernoitava em Cristalina, pedindo alternativas de estradas para Brasília, já
que a BR-040, na serra de Petrópolis (RJ), estava interditada em vários pontos,
devido à queda de barreiras. Disse a ele para vir por SP, na direção contrária
do caminho que eu estava fazendo. Registramos o encontro com algumas fotos e
seguimos em direções opostas.
Às 19h cheguei ao Motel Summer Times, às margens da BR - 050, e dei por encerrado o segundo dia de pedal.
Foram 177 quilômetros percorridos em 9h 40. Um recorde.
Ao chegar para pernoite nos hotéis ou motéis, cumpria um ritual que se repetiu por toda a viagem: exercícios de alongamento, tomar banho e lavar a roupa utilizada. Concluídas essas tarefas, pedia o jantar e terminava o dia com uma boa leitura.
Fui acordado com um temporal de vento
e água desencadeado de madrugada. Voltei a dormir. Deixei a chuva lá fora. Isso
era problema para o dia seguinte.
3º
dia |
Catalão
(GO) a Uberlândia (MG) |
119
km |
Às 9h 03, deixei o Summer Times e ingressei na
BR-050, passei pelo perímetro urbano de Catalão (GO) e parei no Posto JK, às 9h
43, para hidratação e aquisição de barras de cereais.
Atualização:
em 2015, a Concessionária ECO 050 passou a administrar a rodovia. Em
virtude da duplicação, a ponte (foto acima) também foi duplicada, bem como o
trecho Cristalina (GO) à divisa GO/MG. |
Do Posto JK, de onde saí às 10h, à
divisa estadual entre Goiás e Minas Gerais, são 34 quilômetros de
muitos declives, em direção ao Rio Paranaíba, divisor natural dos Estados de
Goiás e de Minas Gerais e, por extensão, marca a divisa entre as Regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Atravessei a ponte - hoje duplicada - e ingressei em terras mineiras. Vi Goiás se afastando pelo retrovisor da bike. Eram 11h 25.
E vieram os aclives. Da divisa GO/MG até Araguari (MG), 38 quilômetros, dos quais 30, em forte ângulo de subida, intervalados por curtas retas. Não chovia, por enquanto, todavia nuvens pesadas, barrigudas e escuras me espreitavam. Estavam por todas as partes do céu.
Mas ao iniciar a subida de uma borda de chapada - erroneamente chamada por muitos de "serra" -, que antecede a chegada a Araguari (MG), desabou uma bátega de respeito. Foi como se uma gigantesca caixa d'água, bem acima da minha cabeça, fosse virada sobre mim e sem piedade. A chuva estava por toda parte, parecendo me abraçar.
Parei no Posto Brasileirão, em Araguari (MG), às 15h, todavia perecia ser mais tarde em virtude do tempo muito fechado. Enquanto comprava água na loja de conveniência, observava o dilúvio que me aguardava adiante.
De volta à bike e à estrada fui avançando como a proa de um navio para concluir os derradeiros 30 quilômetros até Uberlândia (MG), cidade do 3º pernoite. A chuva não caía, ela desabava; parecia vir em ondas que ricocheteavam no chão.
Atravessei o perímetro urbano de Araguari (MG) e, a partir da ponte sobre a linha férrea, vem uma descida animal, com 5 quilômetros, em direção ao Rio Araguari. Acostamento muito gasto e com várias ondulações.
Até a ponte sobre o Rio Araguari, o trânsito, embora intenso, é muito lento, isto porque os veículos pesados não têm alternativas: tanto os ônibus quanto os caminhões descem em marcha reduzidíssima, pois o traçado é sinuoso e as curvas fechadas. Chovia forte. O asfalto está em ótimas condições; o acostamento, nem tanto.
A ponte sobre o Rio Araguari é muito antiga e estreita. Existe uma espremida passagem para pedestres. O rio estava com um grande volume de água e, mesmo com o tempo chuvoso, a paisagem daquela área é muito bonita.
Atualização: após a duplicação da BR - 050, uma segunda
ponte sobre o Rio Araguari foi construída, com guarda-corpo para ciclistas e
pedestres. Assim, a travessia tornou-se mais segura. |
Logo após a ponte [sobre o Rio Araguari]
encarei uma subida forte de 5 quilômetros até divisar, ao fundo da paisagem, a
área urbana de Uberlândia (MG). Eram17h.
Não
me senti disposto a entrar na cidade - que não conheço - e procurar hospedagem.
Estava molhado até os ossos. Precisava de banho e comida quentes. O primeiro
motel [Lipstick] que passou à minha direita, entrei.
Ao
sair do banho, tive a impressão de que troquei de pele. Lavei a roupa usada
naquele dia, exercícios de alongamento e finalmente a tão esperada ceia. Mas
como aquele motel está muito largado, não havia jantar. Me contentei com um
sanduíche safado de frango.
Choveu
a noite toda, castigando com a força de uma artilharia as vidraças do
quarto e as costas quadradas do aparelho de ar-condicionado.
4º
dia | Uberlândia
(MG) a Uberaba (MG) | 118
km |
Observei, enquanto tomava o café da manhã e através da vidraça do aposento, nuvens de base cinzenta e muito baixas. Prognóstico de mais água. E não deu outra.
Assim que retomei à bike e à rodovia BR - 050, começou o aguaceiro, como um rio vertical.
A intensidade foi aumentando e a coisa começou a ficar complicada, porque o trânsito na travessia de Uberlândia (MG) é intenso e confuso.
Atualização: em 2018, foi inaugurado o Contorno Rodoviário de Uberlândia (MG). Dessa forma é possível desviar do frenético trânsito na área central. |
A estrada estava em obras de duplicação até Uberaba (MG). Caos total.
Após me livrar desse trecho urbano de muito movimento, parei no Posto Kung-Fu e comprei uma garrafa com água mineral de 1,5 litro que chegou a Uberaba (MG) intacta. Bebia água da chuva.
Entre Uberlândia (MG) e
Uberaba (MG) existem poucos pontos de apoio.
Atualmente, a travessia de Uberlândia (MG) é feita pelo Contorno
Rodoviário, de forma que nem vemos a cidade e muito menos trânsito confuso. A
rodovia é duplicada e bem segura.
Dos 120 quilômetros que separam as duas maiores cidades do Triângulo Mineiro, 70 quilômetros estão duplicados, embora não liberados para o trânsito.
Para mim foi ótimo, pois reinei absoluto na pista nova e bem longe do trânsito da BR -050 que, naquele sábado, estava intenso nas duas direções. Pedalei na maior tranquilidade e em segurança.
Atualmente esse trecho está duplicado.
Todavia, os 50 quilômetros finais estavam com as obras de duplicação em andamento. Pedalar com aquele aguaceiro, foi difícil.
Coloquei duas faixas refletivas em forma de X, aquelas que os guardas de trânsito e os motoqueiros usam para serem vistos pelos motoristas, acionei as luzes piscantes de proa, popa, bombordo e estibordo e fui em frente.
Tão importante quanto ver é ser visto. A chuva e a neblina dificultavam a visibilidade.
Atualização:
o trecho entre Uberlândia (MG) e Uberaba (MG) está duplicado desde 2007. |
Findo o almoço, voltou a chover forte. Fui para o quarto e assisti ao filme Debby & Loyde, dois idiotas em apuros.
A chuva parou por volta das 21h, quando acordei da hibernação pós-feijoada.
Na voz do jornalista Boris Casoy, ouvi a notícia do falecimento da cantora Cássia Eller, enquanto fazia um frugal lanche antes de dormir. Era véspera de Lua Cheia.
Por volta das 22h, foi possível ver a claridade da Lua, que esforçava-se para vencer densas nuvens. Prenúncio de tempo bom para o dia seguinte? Depois de jantar li um pouco e cama. Descanso é essencial para uma boa pedalada noutro dia.
5º
dia |
Uberaba
(MG) a Orlândia (SP) |
117
km |
Zarpei
de Uberaba (MG) às 9h 01, após esplêndido café da manhã. Pedalados 30
quilômetros, à frente do Hotel Antares e seguindo pela BR-050 na direção sul,
alcancei a divisa natural dos Estados de Minas Gerais e São Paulo, feita pelo
Rio Grande.
O Município de Delta (MG) está na margem direita; o município de Igarapava (SP) na margem esquerda. O Rio Grande corre para o oeste, onde o Sol se põe, desde Adão e Eva.
Às 9h 33, atravessei a nova Ponte do Rio Grande, inaugurada recentemente em substituição à antiga, toda em ferro e prestes a desabar de tanta ferrugem. Chovia do lado de MG; não chovia no lado de SP.
A partir daquele ponto, a Rodovia Federal BR-050 transforma-se em Rodovia Estadual, a SP-330.
Às 10h e sob Sol forte, comecei as primeiras pedaladas pela Rodovia Anhanguera (SP 330).
Naquele dia, a média horária encolheu bastante. Primeiro por causa do calor e segundo porque a Anhanguera, em seus primeiros 30 quilômetros, atravessa uma área de topografia acentuadamente ondulada, à semelhança de gigantesco tobogã. Ou seja, aclives e declives alternam-se e raros são os trechos planos.
De ambas as pistas, visualizam-se canaviais que somem no horizonte. As áreas cultivadas de soja também estão crescendo nos municípios que ficam às margens da rodovia naquela área Norte do Estado de São Paulo, tais como: Igarapava, Aramina, Buritizal, Ituverava, Guará, São Joaquim da Barra e Orlândia, cidade onde parei para pernoite.
Passei por Igarapava (SP) às 12h. Parei no Posto Estoril na hora do almoço. Lembrei-me da feijoada de Uberaba (MG). Almocei e toquei em frente, passando por Aramina (SP) e Ituverava (SP).
A Anhanguera, diferentemente de muitas estradas brasileiras, não atravessa áreas urbanas, passando ao largo de cada uma delas. Com isso, o motorista não tem que enfrentar sucessões de quebra-molas e nem atravessar perímetros urbanos com trânsito confuso, pedestres desatentos, ciclistas distraídos, carroças na contramão e animais soltos.
Telas de arame isolam a rodovia das casas que ficam às margens da estrada. Para travessia das faixas de rolamento existem passarelas suspensas.
O calor era forte e as nuvens de chuvas ficaram em Minas Gerais. Quando atravessei a ponte sobre o Rio Grande, o marco quilométrico passou para "km 450", decrescendo até a capital paulista, no "km ZERO", na Marginal Tietê, bairro da Penha.
No km 405, em Ituverava (SP), passei
pelo 1º pedágio. Motos e bicicletas são isentas. Esse trecho está sob a
administração da Via Norte.
ATUALIZAÇÃO: motos pagam 1/2 da tarifa dos automóveis de passeio. |
É proibido o trânsito de pedestres na rodovia naquele trecho. Atravessá-la, somente pela passarela suspensa. Até São Joaquim da Barra (SP) foram 18 quilômetros. Parei para alongar as pernas. Eram 15h 30. O azul do céu era digno de contemplação.
Faltavam apenas 18 quilômetros para Orlândia (SP) quando começou a soprar um vento de proa (vento contra), os aclives ficaram mais extensos e a média horária caiu. Cheguei às 18h, mas cheguei bem.
Hospedagem no recém-inaugurado Hotel São Marcos, reservado via Internet. Por volta das 20h, quando voltava para o hotel, depois do jantar, a Lua Cheia, última do ano de 2001, apareceu no ponto Leste, emergindo em meio aos canaviais.
Com a presença de algumas nuvens na minha vertical, em poucos minutos ela [Lua Cheia] foi encoberta. Fiquei a contemplar aquela pintura e pensado na minha viagem. Imaginei pedalar sob aquele luar.
A cidade de Orlândia (SP) é muito pequena e pacata. Conta com 38 mil habitantes e uma área de apenas 297 km2.
No passado ela fez parte de um dos
ramais mais importantes da maior Cia. Férrea do século XVIII, a Cia. Mogiana de
Estradas de Ferro.
6º
dia |
Orlândia
(SP) a Pirassununga (SP) |
159
km |
Ao ingressar na via Anhanguera, notei que a linha férrea da antiga Cia. Mogiana atravessa a cidade e segue paralela à rodovia até Cravinhos (SP).
Quantas histórias aqueles trilhos não guardam. A história de uma região que teve no café o primeiro surto de desenvolvimento do Brasil Império. A cana de açúcar, a soja e a criação de gado comandam atualmente a economia da região.
Passei pelo 2 º pedágio, em Sales de Oliveira (SP), às 10h 27, depois de pedalar os primeiros 26 quilômetros daquele dia. A temperatura subia rapidamente e o dia prometia ser quente.
De Sales de Oliveira (SP) fui a Jardinópolis (SP)
pedalando forte por 29 quilômetros. Parada obrigatória diante da colossal ponte
férrea que vence o vale paralelo à Anhanguera.
Tem 600 m de extensão e altura corresponde a um prédio de 15 andares. Depois de fotografá-la, segui rumo a Ribeirão Preto (SP), chegando à Califórnia Brasileira às 12h.
Liguei às minhas filhas em Brasília (DF) para dar notícias. De Orlândia (SP) a Ribeirão Preto (SP), havia pedalado 53 quilômetros. Faltavam 119 km para Pirassununga (SP). E a temperatura subindo.
Às 12h 15 continuei a viagem sob Sol abrasador e calor senegalês. Foi a partir daquele ponto que tirei as mais belas fotos que tenho da Via Anhanguera. O céu muito azul e com poucas nuvens proporcionaram belas imagens da estrada, flanqueada por canaviais que parecem intermináveis.
Depois das fotos, pedalei por 20 quilômetros sem nenhum ponto de apoio. A água que eu levava estava quente e, portanto, intragável.
Em Cravinhos (SP) almocei divinamente e a química digestiva se desenrolou enquanto pedalava - nonstop - até São Simão (SP).
Após o 3º pedágio, encostei a bicicleta no Posto do Tim e comprei algumas barras de rapadura. Açúcar na veia.
Faltavam 63 quilômetros para Pirassununga (SP). Conclui esse trecho em 3 horas. Mantive uma média muito boa para um dia de distância longa e temperatura elevada. Às 15h, considerada a hora mais quente do dia, o termômetro do meu relógio de pulso marcou insanos 37°C. A sensação térmica, decerto, foi maior.
Transpassei a ponte sobre o famoso Rio Mogi-Guaçu e Pirassununga (SP) foi ascendida 18 quilômetros à frente. Antes de entrar na área urbana da cidade fui ao Graal Coral (km 210 da Via Anhanguera) e saboreei pedaços de melão e melancia.
Hospedagem numa casa que oferece pouso aos viajantes. Os preços dos hotéis convencionais estavam deveras "salgados".
Depois de banhado saí em busca de víveres. A cidade estava deserta, nem parecia o último dia do ano. Restaurantes, bares e lanchonetes estavam fechados. Para jantar, precisei voltar à estrada e fazer a refeição no Graal Coral. Fui a passos.
Voltei ao hotel por volta das 21h. As ruas continuavam desertas. A Sra. Helena, que é a dona da estalagem, comentou, enquanto me servia uma chávena de café coado na hora: "chegou feriado, a população viaja para as praias". "As preferidas são as do Litoral Norte, uns 300 quilômetros daqui".
Brasília (DF) poderia ser tão perto do mar quanto Pirassununga (SP).
Quando o ano velho deu lugar ao novo, alguns morteiros foram disparados nas ruas. Mas foram poucos. Assisti pela TV à queima de fogos em Copacabana.
Existe um ditado, com mais anos que o Sol, que diz: "quando o novo chega, o velho tem que parar".
Fazia um ano da Virada do Século (2000 / 2001). À meia-noite foi dado início ao segundo ano da primeira década do século XXI.
Mesmo estando sozinho em um quarto de hotel, na
deserta Pirassununga (SP), em plena passagem de ano, certamente, estava mais
seguro do que um ano antes, na agitada Copacabana, quando um acidente com os
fogos de artifícios matou uma pessoa e deixou várias feridas.
7º
dia |
Pirassununga
(SP) a Itatiba (SP) |
158
km |
No
primeiro dia do Ano da Graça de 2002, às 7h, terminei o delicioso café da manhã e às 9h estava
de volta à Anhanguera e às pedaladas. Tempo nublado e o céu cinza, a cor da
solidão, segundo os expertos [ou experts] nas relações aquarelas/sentimentos.
Calibragem dos pneus da bike no Posto Pica-Pau e bora pedalar até Leme (SP), 23 quilômetros adiante.
Ao deixar
Pirassununga (SP) avistei, no meu través oeste, os imensos tonéis ou tanques
circulares que armazenam a cachaça 51, posicionados quase às margens da
estrada.
São
recipientes semelhantes àqueles que existem nas distribuidoras de combustíveis.
Essa cachaça está sendo exportada para a Europa e, na Alemanha, a 51 é mais
vendida do que limonada no Saara ou no Kalahari.
Passei pelo 5º pedágio em Leme (SP) e abortei a parada programada para não perder o ritmo forte naquele trecho, com longas retas e predomínio de planuras.
Em Araras (SP), 20 quilômetros à frente de Leme (SP), alcançada às 11h 50 - muito cedo para almoçar - dei preferência às rapaduras e comprei água.
Enquanto estive parado, esquadrinhei o céu em busca de algum ponto azul. Não logrei êxito.
Encerradas as comemorações pela passagem do ano, minha preocupação era com o aumento do movimento na Via Anhanguera daqueles que voltavam à Capital Paulista e adjacências, entenda-se, a Grande São Paulo.
O fluxo de automóveis na Anhanguera era bem grande quando deixei Araras (SP), às 12h 15. Se chovesse, e com aquele trânsito frenético, o cenário mudaria de normal para tenso e molhado.
Felizmente não choveu, embora a presença de veículos aumentasse de linear para exponencial, à medida que o cronômetro do meu relógio de pulso devorava os dígitos
Na passagem pelo 6º pedágio - Limeira (SP) - engarrafamento. Veículos demais, cabines de cobrança de menos. Para ciclistas, nada de perrengues.
Naquele ponto, a Via Anhanguera bifurca e dá origem à Rodovia dos Bandeirantes (SP-348), alternativa mais rápida àqueles que seguem para a Capital e Região Metropolitana, por conta das quatro faixas de rolagem, contra duas faixas na Anhanguera.
Meu destino era Campinas (SP), continuei pela Via
Anhanguera.
Às 13h e sentindo meu estômago oco como um cântaro vazio, parada no Graal Topázio para almoço. O interior do estabelecimento parecia a saída do Maracanã pós-jogo Fla- Flu. Um maremágnum (abundância desordenada, confusão de gente). Mas sobrevivi e, por extensão, saí de lá bem alimentado.
Pouco antes do Graal Topázio, em Limeira (SP), a Rodovia SP-310, que vem de São José do Rio Preto (SP), Catanduva (SP), Matão (SP), Araraquara (SP), São Carlos (SP) e Rio Claro (SP) "deságua" na Anhanguera. Resultado: movimento exponencialmente maior em relação à saída de Araras (SP), 32 quilômetros atrás.
Em Nova Odessa (SP), passei pelo 8º pedágio e pela primeira vez vi favelas à beira da Anhanguera, a SP-330.
Sumaré (SP), que abriga a fábrica dos autos da
Honda, foi alcançada às 15h 25 e 22 quilômetros adiante estava em Campinas
(SP), mais precisamente no km 104 ou saída 104, onde existe uma alça de acesso
à Rodovia D. Pedro I (SP - 065). A Anhanguera ficou no passado. 1ª indicação de
Rio de Janeiro (RJ).
Pela Rodovia D. Pedro I ou SP - 065, pedalei os 39 [e últimos] quilômetros até Itatiba (SP), enquanto nuvens negras, semelhantes às ameixas colocadas no doce "olho de sogra", verteram uma chuva pesada, acompanhada de raios, relâmpagos, trovões e vento impertinente. Pacote completo.
Às 16h 30, ensopado como um pardal na chuva, dei entrada no Motel Desert Inn, às margens da SP - 065. Estalagem muito confortável, alcova de banho ampla e cardápio variado.
Comecei bem o ano, fazendo duas coisas que curto
muito: pedalar e viajar. Até pouco tempo, ou fazia uma coisa ou fazia outra.
Mas agora é possível fazer as duas ao mesmo tempo. Viajar de bicicleta é muito
bom. Dormi cedo para acordar cedo.
8º
dia |
Itatiba
(SP) a Jacareí (SP) |
116
km |
Pouca antes das 7h 30 deixei o Desert Inn e voltei à Rodovia D. Pedro I. Nuvens de brancura láctea ornamentavam o céu azul celeste. Embora fosse cedo, o ar estava abafado. O termômetro do meu relógio de pulso marcava 24°C.
Passei pelo único pedágio para automóveis e pedalei forte até Atibaia (SP), 48 quilômetros à frente, chegando às 10h 13. Parada providencial no SAU (Serviço de Atendimento ao Usuário). Água gelada no bebedouro e ingestão de rapaduras. O estoque de líquidos estava quase a zero.
Atravessei a ponte sobre a BR-381, Rodovia Fernão Dias, que liga SP a BH e 23 quilômetros adiante, uma pausa refrescante em Igaratá (SP), banhada por uma belíssima represa de águas límpidas e convidativas ao banho.
É a represa do Rio Jaguari, considerada pelos órgãos
ambientais a mais limpa do Brasil. Trata-se de um reservatório de 40 km2 (com
a mesma dimensão do Lago Paranoá, em Brasília - DF), que parece abraçar, em
ambos os lados, a SP - 065.
Abandonei a SP - 065 e segui por uma trilha, que termina em uma das várias praias da represa. Banho maravilhoso naquelas águas transparentes e frias. Com o calor que estava fazendo, foi impossível resistir. Arrefecimento da temperatura corporal e ânimo renovado.
Fiquei uma hora na Represa do Rio Jaguari, em Igaratá (SP),
para banho e fotos. Faltavam 30 quilômetros para Jacareí (SP).
Via Dutra vista do viaduto da SP - 065. Jacareí (SP). Foto: Fernando Mendes. |
Um calor infernal na volta à bike. Todavia, Jacareí (SP) estava bem próxima. Precisava de um banho e, após, relaxar numa cama bem larga e sentindo o frescor do ar-condicionado do aposento.
Às 16h abandonei a SP-65 e, finalmente, ingressei na Via Dutra (BR-116), administrada, desde 1996, pela Concessionária CCR Nova Dutra.
O ano de 2001 marcou as comemorações dos 50 anos da Via Dutra. No dia 19 de janeiro de 1951, o presidente Eurico Gaspar Dutra inaugurou a ligação Rio - São Paulo, com 402 quilômetros de extensão, nomeada BR - 116 e em substituição à antiga Rio - São Paulo, que teve diversos trechos retificados e outros inéditos.
A novidade ficou por conta do trajeto 100% em pista duplicada. A Dutra foi a primeira rodovia do País a ter duplicação integral de ponta a ponta.
O Restaurante da Rede Frango Assado passou no meu través leste, venci outra Praça de Pedágio e logo estava na suíte do Top´s Motel, no km 169 da Dutra.
No interior do quarto, o ar-condicionado aliviou a sensação de sucursal do inferno da área externa.
Pedalar pela Dutra, até o Rio de Janeiro (RJ), foi a minha homenagem [silenciosa] aos 50 anos da mais importante rodovia brasileira.
Naquele 2º dia do novo ano, completei 2/3 da viagem. Faltava a etapa da Via Dutra, ou seja, faltavam 340 quilômetros para o Rio de Janeiro (RJ). Estava quase em casa.
9º
dia |
Jacareí
(SP) a Queluz (SP) |
157
km |
Deixei o Top´s Motel e o maravilhoso ar-condicionado às 8h 30. Começava a travessia do Vale do Paraíba.
A
quem interessar possa.
Centro
Geográfico não significa localizar-se no centro de algum lugar.
Por definição, Centro Geográfico é uma alusão que fazemos às áreas mais desenvolvidas de um país.
No Brasil, o Centro Geográfico é, sem dúvida, o Vale do Paraíba, pois ele [o Vale] concentra 60% do parque industrial brasileiro, 25% da população do País, em diminuta área de 0,5% do território nacional, na qual cresce - embora não plenamente completa - a Megalópole Brasileira.
Brasília - DF, na melhor das hipóteses, é o centro geométrico do Brasil.
(Nota do Autor).
O Vale do Paraíba é limitado geograficamente pela Serra da Mantiqueira, a Noroeste (NW) e pela Serra do Mar, a Sudeste (SE).
Entre essas duas formações serranas, do período
Arqueozoico, está o Vale, por onde corre o Rio Paraíba do Sul, que tem a sua
nascente na cidade de Areias (SP), localizada na Serra do Mar.
A Via Dutra foi assentada dentro daquele vale [do Paraíba] e corre, ora paralela ao Rio Paraíba do Sul; ora a serpenteá-lo.
No passado, a cafeicultura, utilizando mão de obra escrava, trouxe riquezas para região. Quando ocorreu o esgotamento dos solos, veio a decadência.
"O café, que durante anos a fio sustentou o Brasil, teve um primeiro choque violento quando a Infanta D. Isabel, no final da Monarquia e atuando como regente na ausência do pai, D. Pedro II, aboliu a escravatura, sem aviso prévio - muito embora então fossem conhecidas as suas simpatias pela causa abolicionista.
Isso, mais a exaustão dos campos, cultivados sem o pousio e sem obedecer às curvas de nível, provocou o descalabro súbito de sector.
Seguiu-se o abandono generalizado da mão de obra negra escrava e a ruína da casta nova rica dos barões do café".
Fonte: Rio das Flores / Miguel Sousa Tavares - São Paulo : Companhia das Letras, 2008. A Editora optou por manter a grafia do português de Portugal.
A Bolsa de Valores de Nova York foi à lona, em outubro de 1929. Os EUA, maiores compradores do café brasileiro, entraram em recessão e pararam de importar o principal [e único] produto constante da pauta de exportações do País.
A oferta ficou maior que a demanda e o resultado foi o excesso de café no mercado. E café em excesso significou queda nos preços das sacas. Essa crise marcou o fim da época áurea da cafeicultura no Brasil.
A partir de então, o Vale do Paraíba deixou de ser agroexportador e se tornou urbano e industrial, fazendo-se valer dos capitais acumulados com o ciclo do café.
Foi no 1º mandato de Vargas (1930-1945) que as indústrias começaram a se alastrar pelo Vale. Começou pela CNS (Cia. Siderúrgica Nacional), em 1942, e não parou mais.
O governo bancou a infraestrutura, com rodovias e hidrelétricas, e isso atraiu mais indústrias para o Vale do Paraíba, tanto nacionais quanto estrangeiras. Indústrias atraem indústrias.
Mas por outro lado, essa política de valorização do Vale levou o País às grandes desigualdades regionais: um Sudeste poderoso e desenvolvido, enquanto o Norte e o Nordeste ficaram carentes e parcamente desenvolvidos.
As maiores megalópoles da Terra estão nos EUA, no eixo [1.100 km] Boston - Washington - DC, - e no Japão, na ligação [500 km] Tóquio - Osaka.
A megalópole brasileira, ainda em fase de construção, abarca o eixo Rio - São Paulo, interligada espacialmente pela Via Dutra em 402 quilômetros.
Rapidamente atravessei São José dos Campos (SP), a maior cidade do Vale do Paraíba, com 700 mil habitantes, e que abriga o maior polo tecnológico da América Latina. Ei-los:
1. EMBRAER, fabrica aviões comerciais, executivos, agrícolas e militares, peças aeroespaciais, serviços e suporte na área. É um conglomerado transnacional brasileiro e 3ª maior fabricante de aviões na Terra. É líder no segmento de até 130 assentos.
2. DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial), é uma organização militar e instituição científica e tecnológica que planeja, gerencia, realiza e controla as atividades relacionadas com a ciência, a tecnologia e a inovação no âmbito da FAB (Força Aérea Brasileira);
3. INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), moderno centro de previsão meteorológica e monitoramento de queimadas pelo território (é referência mundial), além de realizar pesquisas na área da fusão nuclear;
4. ITA (Instituto Tecnológico Aeronáutico), instituição de ensino superior pública da Força Aérea Brasileira, vinculada ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).
Ao transpassar Caçapava (SP), 22 quilômetros à frente de São José dos Campos (SP), avistei, à minha dianteira, a distância que não soube precisar, um ciclista que seguia na mesma direção que eu. Observei que, pela quantidade de coisas que carregava na bike, estava a viajar.
Apertei as pedaladas e consegui alcançá-lo. Começamos a conversar e ele (Alexandre) me disse que vinha de Araçatuba (SP) e ia para o Rio (RJ).
Paramos em Taubaté (SP) para almoçar. Eram 12h. Contamos como foram as nossas viagens até aquele ponto, enquanto saboreávamos delicioso PF no Posto Sete Estrelas. Chamei-o para ir a Aparecida (SP) conhecer o Santuário Nacional.
Tiramos fotos ao passar pelo pedágio, que fica na divisa dos municípios de Moreira César (SP) e Pindamonhangaba (SP).
O céu chegava a doer de tão azul, para o deleite dos olhos. As nuvens, esparsas sobre a Via Dutra, se acumulavam no topo da Serra da Mantiqueira, vista da estrada, à esquerda (Oeste).
Chegamos a Aparecida (SP) às 14h, 43 quilômetros após a almoço em Taubaté (SP). Por duas horas andamos pelas basílicas, a nova, inaugurada em 1980, e a antiga, em estilo barroco, inaugurada em 26 de julho de 1745, quando faltavam 238 anos para o nascimento de minha caçula e querida filha Suzana.
O Santuário de Aparecida, que conhecia por fotos, é mais
bonito do que imaginei. A Basílica Velha, em estilo Barroco do século XVIII
(1745), está bem conservada.
A Basílica Nova é um colosso. A arquitetura é belíssima e valeu ter passado 2 horas naquele lugar, fotografando e, principalmente, aprendendo. Mesmo em pleno período de férias, tive uma aula de história em Aparecida (que nunca foi, não é e jamais será do Norte).
Saí de lá sabendo bem mais acerca do lugar do que quando entrei, duas horas antes. Sempre procurei fazer das minhas viagens, independentemente do meio de transporte utilizado, uma maneira de aprender sobre os lugares pelos quais, não importando se o sítio (lugar) é uma igreja ou uma cachoeira.
Voltamos à Dutra e aos pedais às 14h. O calor era implacável e as subidas começaram.
De Jacareí (SP) a Aparecida (SP) a topografia é plana. Fizemos uma média alta (28 km/h). A partir de Aparecida (SP), até o trevo de Lavrinhas (SP), as subidas são fortes e longas.
O Alexandre, que carregava muita bagagem em sua bicicleta, incluindo uma barraca de camping, começou a ficar para trás.
Quando chegamos a Cachoeira Paulista (SP), ele parou em um posto de combustíveis e disse para eu seguir e não o esperar.
Tiramos mais fotos, trocamos endereços eletrônicos e nos despedimos. Depois de 10 dias pedalando sozinho, foi bom ter companhia.
De Cachoeira Paulista (SP) ao Trevo de Lavrinhas (SP), o mais belo e imponente da Dutra, percorri 18 quilômetros. As subidas ficaram intensas e, a três quilômetros do dito trevo, um declive pronunciado termina após curva bem aberta à esquerda, alinhando-se [o declive] com a ponte, em estilo romano, sobre o Rio Paraíba do Sul.
Queluz (SP) a 13 quilômetros.
Eram 18h 46 quando parei no Hotel Athenas, à beira da estrada, mas na pista Sul, ou seja, na pista que vai do Rio a São Paulo.
Atravessei a Dutra pela passarela suspensa e cheguei ao Athenas. Faltavam dois dias para alcançar o Rio de Janeiro (RJ). Estava quase lá.
Jantei no Restaurante do Gaúcho, que fica no posto de serviços anexo ao hotel. A refeição estava uma delícia, principalmente o feijão. Assisti ao JN e fui para o quarto. Sensação de fim de viagem.
Eu tinha a impressão de estar fora de casa fazia dias e, ao mesmo tempo, a sensação de que a viagem estava passando rapidamente.
De Brasília (DF) a Queluz (SP), pedalei 1.204 quilômetros em nove dias. Custava a acreditar. Havia atravessado três estados (GO, MG e faltavam apenas 8 quilômetros para sair do Estado de SP) e o ponto final da aventura, a 248 quilômetros. Logo ali.
Antes de dormir repassei todos os dias da viagem,
os lugares nos quais estive, as paisagens, os temporais inclementes nos quatro
primeiros dias da viagem, as estadas confortáveis ao longo do caminho, as
refeições deliciosas, ter a companhia do Alexandre - mesmo por pouco tempo - e
as grandes subidas que venci, sem maiores dificuldades.
10º
dia |
Queluz
(SP) a Piraí (RJ) |
107
km |
Penúltimo dia da jornada começou tarde, às 9h 30. Dormi muito mal.
A partir das 4h da manhã, um galo começou a cantar no quintal da casa adjacente ao hotel. E cantava alto e forte. Não houve forma de dormir, a não ser por um momento, quando "a trombeta matinal" (*) diminuía ou era interrompia.
De repente, voltavam os cantos "da última vigília", e com força renovada, tomando conta do silêncio e de meus nervos castigados.
Às 5h da manhã permanecia acordado. Dormi quando as últimas estrelas deram lugar à aurora, ou os meus ouvidos se acostumaram com o canto do galináceo ou o cansaço me derrotou.
(*) Quinto Horatius Flaccus, romano que viveu entre 65 a.C e 8 a.C, foi poeta lírico e satírico e, acerca de galos - descritos por ele como "as trombetas matinais"-, escreveu que "os galos ao cantar, anunciam a última vigília, que começa às 4h, ou seja, duas horas antes do orto solar.
Ao cocoricar, o galináceo está "a advertir os demônios e os espíritos errantes da noite que se retirem". "O galo é o cantor de Deus por que repete seus louvores sete vezes".
Quando acordei o Sol estava na lida fazia tempo. Àquela hora [9h] eu devia estar na estrada. Num átimo pulei da cama, tomei o café da manhã com ar de pressa e raspei-me dali [Queluz - SP] com destino a Piraí (RJ), 121 quilômetros adiante, fartos em subidas. O calor prometia.
Ao passar pela divisa estadual SP/RJ, oito
quilômetros após o Athenas, registro fotográfico.
Em Engenheiro Passos (RJ), fiz uma especial viagem pelo passado. Parei a bike na estação do trem, que fica em frente ao Hotel Fazenda Villa Forte, lugar que eu, quando criança, adorava passear em qualquer época do ano.
Tenho lembranças das viagens que fiz para lá em companhia de meus pais, irmãos, tios, tias, primos e primas.
Adorávamos ir [de trem] até Resende (RJ) e retornar, noutro comboio, em direção à estação de Engenheiro Passos (RJ), hoje abandonada e que guarda boas recordações da infância.
Pedalai por mais 11 quilômetros e atravessei o pedágio de Itatiaia (RJ), que fica próximo à entrada do Parque Nacional.
Um relógio digital, que alterna a hora com a temperatura, instalado na praça do pedágio, marcava 11h 44 e 39° C. Foi o dia mais quente desde a saída de Brasília (DF).
Existe entre Itatiaia (RJ) e Resende (RJ), um pedaço da Finlândia no Brasil, charmosa (*) Penedo (RJ).
(*) Localizada entre o Rio e São Paulo, Penedo (RJ) é a única colônia finlandesa da América do Sul.
Tudo começou em 1929 quando um grupo de naturalistas veio da Finlândia para criar uma sociedade.
Com o tempo, Penedo tornou-se um polo turístico, atraindo visitantes de todo o País, para desfrutar das cachoeiras, caminhadas à beira do Rio das Pedras, em meio a muita natureza.
Disponível em: <https://www.historiasdadutra.com.br/>. Acesso: 31/01/2002.
Passado a pequena Finlândia nos Trópicos - Penedo (RJ) -, segui para Resende (RJ), trecho percorrido em 30 minutos e sob calor demencial.
Parei no Posto Olá Resendão. Havia um delicioso cheiro de churrasco no ar. Não resisti. Era hora da boia, meio-dia.
Depois de farto rodízio, regado a algumas Coca-Colas geladas - se pudesse dormiria em algum lugar bem fresco, porém prevaleceu a disciplina. 70 quilômetros me aguardavam até Piraí (RJ)
Próximo à AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) existe um shopping da Rede Graal à beira da Dutra. Um cartaz anunciava: "Caixa - Eletrônico do Banco 24 horas".
Contava com apenas R$ 2,00 no bolso, após o almoço e as Cocas. Estava na hora de sacar mais algum para os gastos até Piraí (RJ).
Atravessei a Dutra pela passarela suspensa, deixei a bicicleta na guarita do estacionamento do shopping e dirigi-me ao caixa eletrônico.
O ar-condicionado no interior do autoatendimento foi um alívio para o calor que estava lá fora. Coloquei o cartão na máquina e, ao invés de aparecer a mensagem “digite a sua senha”, apareceu outra mensagem, terrível: “cartão com problemas na tarja magnética”. “Dirija-se à sua agência e solicite outro cartão” e “engoliu – o”. Pânico geral.
Como me dirigir à minha agência se eu estava a mais de 1.400 quilômetros de Brasília (DF)? Pelo interfone, a funcionária [do 0800] informou que quando isso acontece a máquina retém o cartão e automaticamente cancela-o. E, pior, que eu teria que solicitar outro cartão à minha agência, em Brasília (DF).
Achei melhor não falar em que condições eu estava viajando. Não adiantaria nada. Voltei para a estrada e fiquei parado tentando raciocinar. Dinheiro na conta corrente, mas sem poder sacá-lo, era tudo que não podia acontecer. E aí? Como eu faria? Não consegui pensar em nada.
Continuei
a pedalar sem crer no que havia acontecido. E como tudo que está ruim pode
piorar, a bike derrapou e eu quase me estabaquei. O pneu
dianteiro foi estuprado por um prego. Até aquele ponto do dia, o resultado brilhava
pela ausência. Substituí a câmara furada e fui.
Mas como viajar o restante daquele dia [e o seguinte] com apenas RS 2,00 e uma folha de cheque? Levei o cartão VISA do BB, que funcionava como cartão de crédito, cartão de débito, saque e solicitação de folhas avulsas de cheques.
Por segurança, levei 4 folhas de cheque, sacava pouco dinheiro e procurava pagar as coisas sempre com débito em conta. Cartão de crédito, em último caso. Mas sem o cartão não poderia fazer nada.
Até Piraí (RJ) fui pedindo água nos bares dos postos e para comer eu tinha um bom estoque de barras de cereais e rapadura. O moral naquele dia estava em baixa e as subidas até Barra Mansa (RJ) estavam em alta.
Passei Volta Redonda (RJ), Arrozal (RJ) e depois Piraí (RJ), onde parei para o último pernoite. Estava preocupado com aquela história de ter apenas R$ 2,00 no bolso.
Mas como o "Sangue de Jesus tem Poder", ao abrir a minha pequena mala de roupas para pegar a tesourinha de unhas, eis que dentro da minha carteira do Plano de Saúde estava o meu cartão VISA do BRB (Banco de Brasília), que levei para casos emergenciais.
Não me lembrava desse cartão, pois sequer foi usado até aquele ponto da viagem. Caiu na penumbra do esquecimento. Alvíssaras!
Como se tratava de um caso emergencial, usei-o no pagamento da estada no hotel em Piraí (RJ), o jantar daquela noite e a despesa na farmácia, no dia seguinte, com protetor solar
Os gastos até o Rio de Janeiro (RJ) estavam garantidos, pois a maioria dos postos de combustíveis têm lojas de conveniência, que aceitam cartão de crédito. Meus problemas acabaram.
Dormi cedo torcendo para que nenhum galo me
acordasse antes do orto solar, ou seja, do nascer do Sol.
11º
dia |
Piraí
(RJ) ao Rio de Janeiro (RJ) |
106
km |
Não tardou e cheguei à descida da Serra das Araras, após sucessão de curvas bem abertas em trecho com leve ascenso.
Parei a bike, respirei e esquadrinhei o
início da descida das Araras. Não existe acostamento. Enquanto estive parado,
sentindo cheiro de manga no ar, observei que alguns caminhões desciam em
marcha bastante reduzida. Me ocorreu uma ideia.
Após fotos, subi na bike e aguardei um caminhão, em marcha reduzida, começar a descida. Fiz sinal ao motorista e ele parece ter entendido a minha "tática". Sinalizou com dois rápidos relampejos nos faróis do "bruto" e comecei a descida, controlando, pelo retrovisor da bike, a distância entre mim e ele [o caminhão].
Dessa forma, desci "escoltado" e não precisei me preocupar com carros pequenos passando rente à bike. Alguns quilômetros adiante - uns três talvez -, uma carreta, transportando bobinas de papéis, descia [ainda] mais devagar que eu e meu "batedor".
Fiquei entre os dois, a distância segura, e atento aos freios. Ao passar pelo majestoso Monumento Rodoviário da Serradas Araras (*) [km 225], saí da estrada, fiz um aceno de agradecimento ao meu "batedor", e subi a rampa de acesso ao "Farol no Topo do Mundo", como era chamado nos tempos de glória daquela obra. Hoje não passa de um tesouro esquecido.
(*) Concepção arquitetônica protomoderna, em estilo art déco, com forma inspirada no tema do obelisco, e hoje fechado e abandonado. Tem área de 54 mil m2 de construção.
Teve
duplo significado: I - comemorou a gênese da Rio-São Paulo, em 1928;
II - é símbolo da era rodoviária no Brasil.
Localizado no espaço conhecido como “Varandim” na Serra das Araras, com 46 metros de altura sobre uma base de 1.600 m2, foi rodeado de jardins, que quase tocavam às águas da Represa das Lajes.
No interior do Monumento existiam quatro painéis de Cândido Portinari (0,96 por 7,68 m).
Foram pintados com cores fortes, violentas, que expressavam bem a construção de estradas de rodagem no País.
Havia um restaurante com vista privilegiadíssima da serra, com a estrada a cortá-la e da Represa das Lajes, ao fundo.
O restaurante esteve entre os mais disputados, com bar confortável para os viajantes, banheiros limpos e espaçosos.
Quando o Monumento foi fechado, em 1978, os painéis de Portinari foram abandonados, sofrendo com a ação do tempo.
Recentemente foram retirados e levados ao Museu de Belas-Artes do Rio de Janeiro (RJ).
Existe uma escada interna com 175 degraus, que conduzem ao alto do mirante.
O projeto,
de autoria do Touring Club do Brasil (fundado em 1923), nasceu em
1927.
No
hall nobre havia um grande mapa rodoviário do Brasil.
Cada vez que um estado se via ligado, por rodovia, ao Distrito Federal, que era no Rio de Janeiro, a carta daquele estado era inserida no mapa.
O Monumento foi considerado a primeira estação para conforto dos viajantes, edificada no século XX, às margens de uma rodovia brasileira.
Disponível em:<https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/abandonado-ha-41-anos-monumento-rodoviario-da-presidente-dutra-ja-abrigou-obras-de-candido-portinari.phtml>. Acesso 31/07/2002.
Durante muitos anos, o belo obelisco alegrava as noites com um facho de luz que circulava 360º, podendo ser visto a longa distância.
O projeto é do engenheiro Mário Chagas Dória e do arquiteto Raphael Galvão.
Obra executada pela Construtora Christiani Nielsen.
Infelizmente aquele espetáculo concebido em arquitetura "protomoderna em estilo art déco com forma inspirada no tema do obelisco", está abandonado e repleto de pichações. Foi fechado em 1978.
Não há nenhuma placa indicando o que era, ou o porquê da construção. As entradas - frontais e laterais - estão cerradas a cadeados e os vidros e azulejos quebrados. Vi marcas nas paredes que me pareceram tiros. Lamentável.
O imóvel foi tombado pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) em 31/08/1990.
Voltei à bike após uns 30 minutos de exploração do "Varandim da Serra das Araras". Repeti o ritual de sinalizar para o condutor de cargas pesadas, recebi o OK com o polegar do "motora" apontado para cima e reiniciei a descida das Araras.
Muitas mangas esmagadas sobre o asfalto. Cheiro forte. Nova parada num arremedo de acostamento, à direita, e fotos da Represa das Lajes, com 338,8 km2, mais de oito vezes a área da Floresta da Tijuca. O reservatório ficou concluído em 1949.
Abastece até 1,8 milhão de habitantes de Itaguaí, Japeri, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados e parte do município do Rio de Janeiro, com vazão média de 5.100 l/s, segundo informações obtidas no sítio https://cedae.com.br/sistemaribeiraodaslajes>. Acesso: 31/01/2002.
O represamento deu origem à Usina Hidrelétrica de Fontes Nova, com capacidade de 132 mW, potência obtida a partir das três unidades geradoras de 44 mW cada. Entraram em funcionamento em 1940, 1942 e 1948 respectivamente.
Informações obtidas no sítio https://cedae.com.br/sistemaribeiraodaslajes>. Acesso: 31/01/2002.
Concluí a descida das Araras às 11h e ingressei na Baixada Fluminense, que parecia a sucursal do inferno de tão quente.
Passei pelos municípios de Seropédica (RJ), Queimados (RJ), Nova Iguaçu (RJ), Belford Roxo (RJ) e São João de Meriti (RJ). Percorri a Baixada Fluminense em 2 horas e meia, chegando ao Trevo das Margaridas, o marco ZERO da Via Dutra, localizado no bairro Jardim América, na Zona da Estrada de Ferro da Leopoldina, às 13h 30.
Penetrei na Avenida Brasil, pouco movimentada, exceto nas imediações do Piscinão de Ramos, chegando à Rodoviária Novo Rio, após uma hora de pedal pela "Brasil". Eram 14h 30.
Parada estratégica num Posto Ipiranga, vizinho ao Gasômetro. Beberiquei lentamente um copo de Mate Leão gelado.
Prossegui pela Avenida Francisco Bicalho até o Viaduto dos Marinheiros, alcançando, sem maiores dificuldades, a Avenida Presidente Vargas.
Era sábado e o trânsito estava tranquilo no centro
da cidade.
Parada defronte ao prédio da Central do Brasil, coroado por majestoso relógio, inaugurado em 1943. Tem quatro faces, à semelhança do Big Ben londrino - maior relógio de quatro lados da Terra - e concebido, a exemplo do Monumento Rodoviário da Serra das Araras, em estilo art déco.
Os ponteiros marcavam precisamente 15 h. Tirei uma foto do relógio para registrar aquela minha triunfal, porém silenciosa, chegada ao Rio de Janeiro (RJ), vindo de Brasília (DF), pedalando por 11 dias consecutivos.
Será que as pessoas que me viam, através das janelas de um ônibus parado no sinal vermelho, na esquina da Avenida Passos com a Presidente Vargas, poderiam imaginar que eu estava vindo de tão longe?
Aos sábados, a pista lateral da Presidente Vargas é fechada ao trânsito e vira estacionamento para quem vai à Saara fazer compras. Pedalei por ali e cheguei rápido à Igreja da Candelária.
Transpassei a Praça XV e, em pouco tempo, estava defronte ao Aeroporto Santos Dumont.
Ingressei na ciclovia, que começa no Museu de Arte Moderna - MAM. Sensação de quase em casa. Era uma tarde típica de verão. Céu claro, Sol forte e praias cheias.
Nas Praias do Flamengo e de Botafogo, banhistas, indiferentes à poluição da Baía da Guanabara, refrescavam-se, enquanto nas areias uma horda de "atletas" jogava animada "pelada".
Eram 15h 30 quando sai do Túnel do Pasmado, passei pelo Canecão, Rio Sul, atravessei o Túnel Novo e cheguei à Avenida Princesa Isabel. A brisa do mar de Copacabana me saudou: "parabéns pela empreitada". Eu havia conseguido.
Esse ar de chegada ao Rio não tem igual. Cheiro de maresia, Sol forte e praias cheias.
Atravessei a Avenida Atlântica, defronte ao Hotel Meridien, ingressei na ciclovia, desfilei por Copacabana até o Posto Seis, rumei, pela Rua Francisco Otaviano até a Praia de Ipanema, na Vieira Souto, esquina com o extinto Barril 1.800.
Ao fundo, o Morro Dois Irmãos deu a mim as boas-vindas à Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, fundada em 1º de Março de1565, entre o Pão de Açúcar e o Morro da Urca e cresceu entre o São Bento e o Morro do Castelo.
ATUALIZAÇÃO. (*) Pão de Açúcar perdeu
os hifens, segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, de 1990 - em vigor desde 2009. Disponível
em:<http://www.portaldalinguaportuguesa.org/acordo.php>. Acesso: 31/01/2022. |
Segui até o Leblon pela ciclovia e, após atravessar a ponte sobre o canal do Jardim de Alah, a última que transpassei, entre tantas pelo caminho, pedalei os últimos metros até a garagem de casa e BINGO. Pontualmente 16h.
Havia conseguido realizar o antigo desejo. Pedalei
1.467 quilômetros e cumpri a viagem Brasília X Rio em 11 dias, com uma média de
134 km/dia.
Agradeci por isso, guardei a bike em casa, fiz algumas ligações informando a minha chegada e fui à praia refrescar-me.
Naquela noite, antes de dormir, lembrei-me do dia 7 de setembro de 1968, quando fiz a minha primeira viagem pela Via Dutra. Fomos eu, meus pais e minha tia Anete, do Rio a São Paulo.
A viagem, no Fusca 61, durou 12 horas e a minha tia leu, inúmeras vezes, as estórias do livro de fábulas dos Irmãos Grimm (Contos de Grimm é uma coletânea de contos de fadas e outros contos, publicada, inicialmente, em 1812 por Jacob e Wilhelm Grimm).
Quem diria que, 34 anos depois de ver a Dutra pela janela do Fusca, estaria a percorrê-la, de bicicleta, entre Jacareí (SP) e Rio de Janeiro (RJ), realizando um desejo antigo de pedalar de Brasília (DF) à Cidade Maravilhosa.
Viver é ter a chance da surpresa.
“Se o Sol vem saindo eu já vou partindo e quando anoitece estou noutro lugar”
(Cortando Estradão, de Almir Sater).
Brasília (DF), 31/01/2002.
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